9 de março de 2014

GIDDENS, TOURAINE E O NOVO PARADIGMA SOCIOLÓGICO

"Manchester England England
Manchester England England
(Eyes look your last)
Across the Atlantic Sea
(Arms take your last embrace)
And I'm a genius genius
(And lips oh you the doors of breath)
I believe in God
(Seal with a righteous kiss)
And I believe that God believes in Claude
(Seal with a righteous kiss)
That's me, that's me, that's me
The rest is silence
The rest is silence
The rest is silence"
(Let the sunshine in - Hair)

     A sociologia – como campo teórico – viveu uma grande perspectiva nos anos 1960, mudando o foco das questões  e classe (fosse pela perspectiva marxista, fosse pela weberiana) e do movimento operário-industrial para as questões de gênero, raça/etnia, capacidades físicas, sexualidade, meio ambiente; dentre outras trazidas à tona pela pluralização dos movimentos sociais motivados por questões há muito relegadas ao silenciamento pela tradição acadêmica. Naquela década, às profundas transformações pelas quais passava o mundo – pós a 2ª Guerra Mundial, pós Baby Boom, marcado pelo desenrolar da Guerra Fria – juntavam-se a dissolução da classe industrialoperária que se fragmentava na medida em que o 3º setor crescia e levava mais pessoas para a área de serviços. Começava então o inexorável abalo das teorias sedimentadas na academia, no qual as certezas sobre o conflito unificado burguesia versus proletariado, começa a desmoronar a partir do reconhecimento das múltiplas dimensões da vida social, tais como: o gênero – ser mulher é mais complicado do que ser homem; as pessoas transgêneras ou transexuais são vistas como aberrações doentes ao passo que as cisgêneras ou cissexuais encarnam a normalidade –, a raça/etnia – as pessoas brancas (especialmente as que têm traços finos e olhos e cabelos claros) têm mais direitos sociais e legais do que as negras, indígenas, asiáticas e latinas –, a capacidade física – quem pode usufruir de um corpo magro, ambulante e que não se utiliza de muletas ou bengalas anda mais e melhor do que as pessoas gordas ou obesas, cadeirantes, muletantes ou bengalantes –, a sexualidade – mulheres e homens homossexuais e bissexuais têm suas identidades abjetadas constantemente enquanto pessoas heterossexuais compõem o padrão que move e representa o mundo sadio –, lembrando que essa multiplicidade se intersecciona podendo aumentar ou diminuir o nível de privilégios e opressões às quais as pessoas estão submetidas. Deste modo, o campo teórico da sociologia vê-se obrigado a procurar novas explicações para a realidade mundial. Essa busca, permeada por grandes acontecimentos sociais trouxe para a sociologia as discussões sobre a importância do sujeito como agente consciente de seu mundo e capaz de modificá-lo, e novas teorias como a do ator, a da subjetividade e a da reflexividade. Dentre os quais se destacam: o Maio de 68, na França (quando estudantes, operários e outros trabalhadores franceses se juntaram progressivamente em protestos contra o presidente Charles De Gaulle e paralisaram a França por dias, as manifestações foram duramente reprimidas, embora se tenham espalhado por praticamente toda a Europa e influenciado lutas libertárias por todo o mundo); a luta contra a Guerra no Vietnã, nos Estados Unidos (quando jovens alinhados com o movimento hippie rasgavam em praça pública suas cartas convocatórias para que lutassem contra o exército comunista do Vietnã, além dos variados conflitos entre a polícia e os estudantes universitários como nos campi de Kent e Berkeley); os processos de independência dos países africanos, asiáticos e da Oceania frente às potências colonizadoras européias; as lutas contra o Apartheid na África do Sul; o movimento pelo fim da Segregação Racial nos Estados Unidos (tanto a resistência pacífica liderada pelo pastor Martin Luther King Junior, quanto as ações dos Panteras Negras, com um caráter combativo reconhecido em parte pela violência atribuída a elas); e, por último, as resistências locais contra as ditaduras latino-americanas. A influência dos estudos de pós-colonialidade na sociologia é crescente fornecendo um novo e amplo espectro interpretativo da realidade social. 

     Considera-se que a modernidade é pautada tanto pela acuidade da visão analítica e científica do mundo pelas massas, como também se afigurada a partir da difusão de sensibilidade do modernismo estético por todos os sujeitos. A teoria da modernização reflexiva pressupõe que as decisões políticas de maior influência sobre o cotidiano não deriva somente do âmbito ortodoxo do sistema político formal para a tomada de decisão, mas sim que adviria em paralelo dos âmbitos informais da crescente politização do não político. Assim sendo, a suposta paralisia da vontade política dos sujeitos nas sociedades atuais é inválida para este paradigma. De acordo com Anthony Giddens a reflexividade insere-se na reprodução do sistema, quando pensamento e ação refratam-se entre si. Entende-se, portanto, que as práticas sociais são sempre escrutinadas e redefinidas, em conformidade com as novas informações que chegam aos sujeitos alterando irreversivelmente as constituições de tais práticas; deste modo, a modernidade é marcada pela suposição da reflexividade e não da incessante busca por novidades. Na medida em que a racionalidade se presta a substituir os fundamentos da tradição, a segurança e a certeza parecem ser as palavras de ordem - ao menos em um primeiro olhar -, entretanto, inexiste relação direta entre conhecimento e certeza; no mundo em que a reflexividade predomina, nada é certo e constante em termos de conhecimento, tudo é passível de revisão conforme novas práticas. Pode-se afirmar - com relativa certeza - que os conceitos de modernidade e tradição se opõem, ainda que, às vezes, ambos se imbriquem, não obstante, é necessário reafirmar que a tradição não é imutável uma vez que a cada nova geração ela é reinventada. A tradição envolve o controle do tempo, sendo uma orientação para o passado, na qual este se insinua pesadamente sobre a atualidade; embora, também diga respeito ao futuro, afinal, as práticas estabelecidas são uma maneira de organização do futuro. A tradição também se conecta com uma "memória coletiva" - preservada ritualisticamente, vinculando-se ao que o autor chama de "noção formular de verdade", contrariando o costume, a tradição traz uma força de coesão que une códigos morais e emocionais, de tal modo que a tradição, de forma reflexiva, é reinventada sempre. O poder do Estado moderno - que se trata de um processo integrante da reflexividade moderna - está diretamente relacionado com a fragmentação da comunidade local. Noutras palavras, a soberania do Estado imprescinde de um monitoramento reflexivo - e constante - de suas práticas. Na modernidade reflexiva, existe uma falsa tese sobe como o conhecimento da vida social aumentaria o controle sobre nossos destinos, causando o que se poderia denominar: consequências inesperadas; isto é falso, pois o maior conhecimento sobre a vida social não é o bastante para que todas as circunstâncias de sua implementação sejam previstas, e é fato que o conhecimento não é apropriado igualmente pelos os atores sociais, sempre havendo o que se convencionou chamar "poder diferencial" para quem possui um status social superior. Assim, percebe-se que a liberdade de alguns pode ocasionar a opressão de outros, ou seja, ao mesmo tempo em que a reflexividade emancipa uns, exclui outros.

     Passando para as interpretações de Alain Touraine, podemos afirmar que na era da sociedade pós-industrial a generalização dos conflitos mostra o quão longe de acabar eles se encontram. Pois o autor afirma que a sociologia se consolidou apenas na segunda metade do século XIX, quando ocorre um controle mais amplo e assertivo da mecânica econômica das revoluções industriais, a qual, levara às teorias do anos iniciais do século XIX e que preconizavam que o desenvolvimento econômico intervinha na organização da sociedade. Ao retomar o controle social das metamorfoses econômicas é que a sociologia se tornou uma ciência distante da filosofia, identificando uma natureza social que reconhece a historicidade como a capacidade da ação social de direcionar o desenvolvimento das sociedades. É a partir dessas formulações que o autor fala da sociedade pós-industrial e sua sociologia. No início do desenvolvimento da sociedade industrial, as empresas, o capitalismo emergente e o proletariado compunham, de fato, a tríade elementar central das transformações sociais e políticas. Entretanto, segundo o autor, para a sociedade pós-industrial esta tríade - bem como a centralidade da inústria como vórtice catalisador de eventos e demandas sociais - se perde; uma vez que para a pós-industrialidade, o conhecimento e a informação constituem os elementos centrais a sustentar a produção. Por este motivo ocorre a grande importância, dada pelo autor, à temática da alienação - pautada pela idéia de participação dependente que é a integração dos indivíduos nas dinâmicas dos aparelhos dominantes que almejam impingir um desenvolvimento econômico impessoal que aparece como possibilidade única no interesse da sociedade. Touraine descreve a alienação partindo dos temos: integração, manipulação e sedução. Desse modo, os conflitos sociais não mais se concentram na dimensão econômica, embora os conflitos de classe não tenham desaparecido, e sequer a indústria, a relação trabalhador-patrão perde a hegemonia de outrora; principalmente, dado o fato desse conflitos de classes terem se institucionalizado, pavimentando caminho para reivindicações destacadamente culturais - é o surgimento dos movimentos feministas, LBGTT (queer), estudantil, negro, latino e etc. O que une tais movimentos, para além de sua ampla abrangência social, são laços pontualmente localizados e comunitários - há um sentimento de pertença a causa - e somado a isso um destaque amplo e (inter) nacional que garante a vitalidade dos movimentos sociais enquanto tais. Para Touraine, o horizonte dos movimentos sociais é o âmbito das instituições e decisões políticas, pois a sociedade deve lutar para que o acesso aos mecanismos decisórios da política possa se democratizar atingindo a todos. Nos dois autores encontram-se discussões sobre subjetividade(s) que vem a ser a noção de tornar-se sujeito numa dimensão indissociavelmente política. Além do conceito de subjetivação como a intermitente produção de subjetividades a partir das condições socioculturais. Em Touraine a subjetivação é a autoconstrução como sujeito a partir do grupo e do indivíduo,e pode ocorrer no contato com outros sujeitos, nos movimentos sociais, nas intervenções de mediadores, práticas educativas, etc... O autor chama atenção para o fato de que não podemos afirmar que estamos vivendo em um mundo de sujeitos, embora essa propensão esteja presente de forma latente no cotidiano individual e na rotina das instituições submetida por poderes que negam sua liberdade de autoconstrução e de construção a sociedade. Segundo o autor a sociedade está em mudança a partir da decomposição de sistemas e instituições sociais que costumavam alocar os indivíduos em papéis bem delimitados. Neste cenário a dimensão cultural torna-se cada vez mais proeminente. Assim, os indivíduos passam a repensar sua relação com o mundo, seus papéis, e assumir uma postura criativa frente à realidade social, atribuindo um sentido para suas vidas. Essa formação se dá na vontade de tornamo-nos nós mesmos a medida que nos livramos das opressões. Deste modo, a subjetivação ocorre na luta contra a pressão de comunidades autoritárias, na fragmentação do “eu”, no uso da racionalidade instrumental, e na procura pela satisfação dos desejos individuais numa sintonia com a lógica de mercado. Ao escapar dessas forças, o sujeito consegue pensar sobre a construção de laços sociais em uma perspectiva reflexiva. Desta forma, Touraine concorda com a reflexividade proposta por Giddens, quando os indivíduos tomam uma postura construtiva ante às tradições enquanto monitoram sua própria conduta. A noção de sujeito seria, portanto, o exercício dessa reflexividade em um sentido determinado dentro da modernidade. Para Touraine, a subjetividade se dá por meio do conflito entre o indivíduo e a realidade guiada pela lógica do mercado.

Bibliografia:
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991
TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002
ADELMAN, Miriam. A voz e a escuta: encontros e desencontros entre a teoria feminista e a sociologia contemporânea. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2009